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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Toque de recolher, por Leandro Gornicki Nunes*


O toque de recolher é uma medida adotada no estado de sítio (Constituição, art. 137) ou em regimes ditatoriais, a exemplo daquele que vivemos “ontem” no Brasil, cuja lembrança mais atroz é o AI-5. Embora não tenha qualquer respaldo constitucional ou legal, está em discussão no cenário político a sua adoção, como medida para proibir a livre circulação, nas ruas e locais públicos, de jovens com menos de 18 anos, desacompanhados dos pais, após as 23 horas. Certamente, tal ideia é proveniente de pessoas que desconhecem a história ou que são inimigas do Estado democrático de direito.

A justificativa para adoção de tal medida seria, segundo os seus defensores, proteger os menores em situação de risco e garantir a segurança pública, pois seriam os menores infratores uma ameaça à sociedade, principalmente, por causa da ação do narcotráfico. É possível dizer que as intenções são as melhores – embora os resultados sejam nefastos –, e, infelizmente, a opinião pública, amedrontada e desinformada, acolhe a ideia com simpatia.

Na esfera jurídica, ousamos afirmar que o tal toque de recolher é inconstitucional por violar a liberdade de locomoção, ou seja, viola uma cláusula pétrea da nossa Constituição. Facilmente, uma liminar em habeas corpus seria concedida a qualquer menor de 18 anos que desejasse circular livremente pelas ruas da cidade após o referido horário.

A questão não deve ser debatida somente no plano jurídico. É preciso que analisemos a ideologia que fomenta a adoção desse tipo de mecanismo de controle social. Ainda que estivéssemos vivendo problemas mais sérios na segurança pública, tal recurso é inconcebível numa democracia.

A juventude deve ter liberdade para, dessa forma, transformar-se numa população de adultos conscientes da importância de respeitar a liberdade alheia, ao invés de procurar a solução dos problemas de segurança pública implantando normas violadoras da Constituição da República. Se uma das justificativas para o tal toque de recolher é a ocorrência de crimes, a medida deve se estender a todas as pessoas, crianças, adolescentes, adultos e idosos, afinal, qualquer um pode praticar crimes.

O toque de recolher proposto equipara-se a uma sanção (privação de liberdade) aplicada aos jovens sem que tenham cometido qualquer ato infracional. Proteger as crianças e adolescentes da situação de risco não autoriza o Estado ou os seus agentes políticos a instituir normas inconstitucionais. O fim teleológico do Estatuto da Criança e do Adolescente é garantir o desenvolvimento saudável dessas pessoas. Entretanto, alguns procuram “tapar o sol com a peneira” e impedir os jovens de viver, mormente quando o discurso serve de trampolim político.

Outro ponto da discussão que não pode ser olvidado é o foco que se dará na execução da medida. As principais vítimas serão os jovens pertencentes aos estratos mais pobres da sociedade. Jovens esses que ficarão privados da melhor sensação que se pode ter na vida: a de liberdade, “essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda” (Cecília Meirelles).

Se algum toque de recolher precisa ser estabelecido, que seja dirigido aos políticos corruptos do País, cujas ações ilícitas privam as crianças e os adolescentes dos seus direitos sociais, assim como aos defensores de uma ideologia de controle social semelhante àquelas que sustentaram regimes ditatoriais. “E quem nos salva da bondade dos bons?” (Agostinho Ramalho Marques Neto).

*Professor de criminologia e conselheiro da OAB Joinville

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